Projeto Ave Missões: Pesquisa, Educação Ambiental e Conservação com Aves da Região Noroeste do Rio Grande do Sul

Parque Estadual do Turvo

Gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus). O Parque Estadual do Turvo é um dos últimos refúgios da espécie no RS. Foto: D. Meller.

*Textos retirados do Plano de Manejo do Parque Estadual do Turvo, com exceção das fotografias e suas legendas
Contexto

Originalmente o Rio Grande do Sul possuía cerca de 40% de seu território coberto por florestas, localizadas principalmente na porção norte do Estado. Os remanescentes florestais envolvendo ecossistemas relacionados ao bioma Mata Atlântica lato sensu são raros na atualidade, sendo este o bioma que sofre a maior pressão antrópica no Brasil e um dos mais ameaçados no mundo. Dos remanescentes florestais nativos do Rio Grande do Sul, aproximadamente 0,24% encontram-se na Floresta Ombrófila Densa, 3,25% encontram-se na Floresta Ombrófila Mista, 0,74% estão na Floresta Estacional Semidecidual e 4,16% estão na Floresta Estacional Decidual, onde está inserido o Parque Estadual do Turvo.

Os objetivos básicos de parques cujo categoria o Turvo insere-se são a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.


Salto do Yucumã, principal atrativo turístico do parque. Foto: D. Meller.

No contexto nacional, o Parque Estadual do Turvo, no noroeste do Rio Grande do Sul, preserva uma significativa amostra da Floresta Estacional Decidual (IBGE, 1986), também chamada de Floresta Subtropical Perenifolia do Alto Uruguai (Irgang, 1980). Essa mata  representa o último grande fragmento desse tipo vegetacional no Rio Grande do Sul, que segundo esse mesmo autor, estendia-se originalmente desde o Paraná.

Outro grande fragmento florestal existente na região, mas que não apresenta o mesmo grau de conservação, é a Terra Indígena do Guarita. Como complicador, não existe uma conectividade bem estabelecida entre o Parque e a Terra Indígena, restando apenas, fragmentos de matas ciliares de alguns cursos d'água. No Estado de Santa Catarina não existem áreas florestadas significativas nas proximidades do Parque não havendo, inclusive, vegetação ciliar no rio Peperiguaçu, na fronteira com a Argentina.

São importantes para o Parque as áreas existentes na Argentina, o Parque Provincial de Moconá e a Reserva da Biosfera Yabotí, que possibilitam algum tipo de preservação a extensas áreas, ampliando as chances de preservação da biodiversidade. A Selva Misionera contém o maior maciço florestal de Floresta Atlântica de interior do mundo. Caso uma porção significativa dessa vegetação não seja protegida, é possível que se perca a viabilidade dos fragmentos do sul do Brasil e Paraguai.







No âmbito regional, o Parque Estadual do Turvo insere-se na área de atuação do Conselho Regional de Desenvolvimento (COREDE) Celeiro. No que diz respeito aos Comitês de Gerenciamento de Bacia Hidrográfica, os rios que drenam o Parque inserem-se na área de abrangência do Comitê do Turvo-Santa Rosa-Santo Cristo, Região Hidrográfica do rio Uruguai e é drenado pelo rio Uruguai , ao longo do limite Norte do Parque, e seus afluentes da margem esquerda, podendo ser individualizadas quatro bacias hidrográficas distintas: rio Parizinho, arroio Mairosa, arroio Calixto e rio Turvo, além das pequenas bacias que drenam diretamente ao Rio Uruguai.

Histórico de ocupação

A ocupação efetiva da área que hoje compreende os municípios de Tenente Portela, Derrubadas, Três Passos, Esperança do Sul, Vista Gaúcha e Barra do Guarita, veio a ocorrer apenas após a Revolução Federalista de 1893. Neste período a região passou a abrigar fugitivos e aventureiros, sendo que as primeiras famílias de colonos que vieram a se instalar datam de 1910/1911. Eram abertas clareiras dentro da mata, vindo a se instalar pequenos núcleos de população em torno de um comércio incipiente. Depois do assentamento das famílias, uma pequena área era aberta para o estabelecimento de cultivos indispensáveis para a sobrevivência da família. As práticas empregadas levavam quase sempre a um rápido esgotamento do solo, obrigando os colonos a abrir, sucessivamente, novas áreas de plantio em sua propriedade (Feldens, 1989). Para complementar a alimentação realizavam também a caça de animais silvestres.

A região era tão remota que chegou a fazer parte do roteiro da Coluna Prestes, ocorrida de dezembro de 1924 a janeiro de 1925. Na década de 30, sob a orientação de Getúlio Vargas, começaram a ser traçados planos para ocupação da área por colonos.

Existe um grande número de moradores lindeiros ao parque no município de Derrubadas. Foto: D. Meller.

Em termos de ciclos, o histórico de ocupação regional pode ser caracterizado da seguinte forma:
  • Período da madeira (década de 1940), baseado na exploração da madeira como fonte de renda e como recurso para construção de vivendas;
  • Período da cultura de subsistência (década de 1950), após a derrubada da mata caracterizada pela produção de feijão, mandioca, milho e trigo para subsistência, além da criação de animais, também para este fim;
  • Período da suinocultura (década de 1960), cuja criação deste animal recebeu incentivo e contava com oferta barata de ração devido ao milho plantado na região;
  • Período da monocultura (década de 1970), caracterizada pela expansão da lavoura mecanizada do binômio trigo-soja, que perdura até os dias de hoje.
A derrubada da mata pelos colonos, dado ao seu grau de intensidade, desenvolveu uma forte cultura de caça. A presença de animais da floresta era constante nas propriedades, registrando-se grande número de ocorrências de ataques a animais domésticos e destruição de lavouras pela fauna silvestre em busca de alimento que, rapidamente, perdia espaço para as atividades humanas.

Gavião-real (Harpia harpyja) abatido na década de 70 nos arredores do Parque Estadual do Turvo. Registro descoberto após diversas entrevistas com moradores de Derrubadas (obs. pess. Dante Meller).

Criação do Parque

Criado através do Decreto Estadual no 2.312, de 11 de março de 1947, como Reserva Florestal, o Parque Estadual do Turvo foi uma das primeiras unidades de conservação instituídas no Rio Grande do Sul em 1954, através da Lei nº 2.440, de 02 de outubro de 1954, sendo a maior área protegida de proteção integral do Estado.

Seus limites gerais são definidos ao norte pelo rio Uruguai, a leste pelo rio Parizinho, a oeste pelo rio Turvo e ao sul por propriedades rurais. Tem como coordenadas limites 27°07´ a 27°16´ latitude Sul e 53°48´a 54°04´ longitude oeste.

O Decreto de criação do Parque apresenta a sua superfície como sendo de 17.637,5 ha, porém, o Decreto Estadual de 11 de agosto de 1965 reduziu sua área para 17.491,4 ha, com a finalidade de regularizar a situação de antigos moradores e doar uma pequena área à Sociedade da Capela São Valentim, na localidade de Centro Novo.

De acordo com Sr. Argílio Pereira, um dos primeiros guarda-parques do Parque do Turvo e nascido na própria UC, na área do Porto Garcia, a estrada de acesso a esta última área foi aberta pelos irmãos Luís e Pedro Garcia, que eram madeireiros da região. Retiravam madeira de toda a região, inclusive do Parque, onde cortavam árvores de grande porte de forma clandestina. Utilizavam um sistema de corte de madeira chamado "ponta de lápis", no qual cortavam uma das extremidades da tora tal qual a ponta de um lápis para que, em dias de chuva, nas regiões de encosta, como a região do Peperi Mirim, quando o solo ficava encharcado, facilitasse o deslizamento da tora até o rio Uruguai.

Porto García. Foto: D. Meller.

"A madeira preferentemente explorada na época era o cedro (Cedrela fissilis), espécie que naturalmente possui baixa densidade e que na região e no Parque é bem representativa. As árvores que tinham altura e diâmetro consideráveis eram serradas. Na época, o cedro desapareceu da costa do Uruguai e a grápia (Apuleia leiocarpa) também era muito procurada, porém, seu transporte pelo rio era problemático em função da densidade de seu tronco." (Argílio Pereira, depoimento pessoal).

Com o fechamento da estrada do Porto Garcia, finalizou-se, no ano de 1974, a construção da estrada de acesso ao Salto do Yucumã que é atualmente o único ponto onde o ingresso de visitantes é permitido (Indrusiak, 1999).

No contexto atual, o Parque Estadual do Turvo se destaca por ser a última porção significativa da formação vegetal do Alto Uruguai no Estado do Rio Grande do Sul (Irgang, 1980; Brack et al., 1985).

Atualmente o parque conta com um moderno Centro de Visitantes no portão de acesso à estrada do Salto do Yucumã. Foto: Luana Almeida.

Fauna

Entre as espécies de peixes ocorrentes no rio Uruguai, pode-se citar como grandes migradoras: dourado (Salminus maxillosus), grumatã (Prochilodus lineatus), piava (Leporinus spp.), surubim-pintado (Pseudoplatystoma coruscans), bracanjuva (Brycon orbignyanus) e cascudo-preto (Pogonopoma sp.), sendo que as quatro primeiras possuem importância comercial (informações adaptadas a partir de dados da bacia do rio Paraná, segundo Agostinho, 1993).

O dourado é uma espécie carnívora ocupando os níveis tróficos mais elevados nos rios em que ocorre. Aparentemente, não há relação entre seus requerimentos alimentares e o declínio de suas populações. Entretanto, essa espécie está entre as mais visadas nas pescarias sendo alvo de capturas predatórias, inclusive no período da piracema, quando há concentração de indivíduos em determinados locais como o Salto do Yucumã. A pressão de pesca aliada às baixas densidades populacionais parecem ser as causas do declínio do número de dourados. Essa espécie encontra-se na Lista das Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção no Rio Grande do Sul (Decreto nº 41.672, de 11 de junho de 2002).

Tanto a bracanjuva, quanto o dourado, são espécies de piracema, ou seja, necessitam realizar grandes migrações rio acima para completar seu processo reprodutivo. Dessa forma, ambas podem estar sendo afetadas por interrupções no fluxo natural do rio Uruguai decorrentes dos barramentos de empreendimentos hidrelétricos que não dispõem de estruturas adequadas para a transposição dos peixes.

Após o nível d'água do Salto do Yucumã baixar rapidamente, alguns peixes ficam presos em poças isoladas, impossibilitados de voltar ao rio Uruguai novamente, como este no arroio Mairosa. Foto: D. Meller.

Do ponto de vista da anfíbiofauna, a zona do Parque Estadual do Turvo insere-se na região Atlântica (Lutz, 1972), que ocupa no Brasil serras da Mata Atlântica do Rio Grande do Sul, com alguns elementos podendo se estender até o oeste catarinense e noroeste gaúcho sendo, no entanto, pobremente conhecida. Segundo este mesmo autor, a área do Parque também sofre influência do Chaco sendo cercado por uma zona de campos que se prolongam ao sul no Uruguai e a sudoeste na Argentina, representando o limite de distribuição de algumas espécies.

Dentre as espécies de anfíbios registradas, aquelas com maior interesse para a conservação são justamente as que apresentam distribuição mais restrita, configurando até mesmo casos de endemismos. Hyla curupi, Limnomedusa macroglossa e Phyllomedusa tetraploidea são três espécies endêmicas da região que possuem poucos espécimes depositados em coleção.

Phyllomedusa tetraploidea no Parque Estadual do Turvo. Foto: D. Meller.

Entre os répteis são conhecidas, também, algumas espécies que apresentam distribuição marginal no Estado associada ao curso do rio Uruguai. A espécie de réptil com distribuição mais restrita na região, que exemplifica a singularidade da UC, é o jararacuçu (Bothrops jararacussu), uma espécie que se acreditava ser rara no Parque, mas que demonstrou ser abundante no interior da unidade. Cabe destacar que, até o momento, não existem informações sobre exemplares vivos desta espécie em nenhuma outra área do Rio Grande do Sul. Uma segunda espécie de serpente de grande porte que foi registrada em várias ocasiões e que parece ser abundante na unidade é a caninana (Spilotes pullatus). Essa espécie é a maior serpente colubrídea do Estado e apresenta hábitos subarborícolas.

Por serem espécies de grande porte e restritas às áreas florestadas, considera-se a abundância de ambas espécies um indício concreto da eficiência do Parque em preservar a diversidade de répteis da região.

Jararacuçu (Bothrops jararacussu) encontrado durante pesquisas de viperídeos no parque. Foto: D. Meller.

Segundo Belton (1994), o extremo norte do Rio Grande do Sul mostra a influência do interiorperitropical do Brasil em sua avifauna e é a única região do Estado onde ocorrem, por exemplo, o peixe-frito-pavonino (Dromococcyx pavoninus), o araçari-castanho (Pteroglossus castanotis), o araçari-banana (Baillonius bailloni), a trovoada-de-bertoni (Drymophila rubricollis), a viuvinha (Colonia colonus), o bem-te-vi-pequeno (Myiozetetes similis), o estalador (Corythopis delalandi) e a saíra-de-chapéu-preto (Nemosia pileata). Do ponto de  vista ornitológico, essa parte do território gaúcho apresenta um interesse especial, por concentrar diversas espécies de aves que se distribuem apenas marginalmente no Estado.

O Parque do Turvo é, possivelmente, a única área florestal do Estado onde a avifauna original ainda permanece integralmente representada, embora algumas espécies em particular seguramente tenham declinado devido à ação de caçadores (e.g., a jacutinga).

Jacutinga (Aburria jacutinga) fotografada no Parque Estadual do Turvo. Foto: Luana Almeida.

A mastofauna da região, por sua vez, sofre influência de diferentes biomas e está intimamente relacionada à geografia dos grandes rios. O Parque do Turvo está inserido em uma região zoogeográfica limitada pelo rio Paraguai ao norte e pela bacia do Paraná/Prata ao sul (Redford & Eisenberg, 1992). Pelo menos cinco biomas presentes na porção sul da América do Sul têm seus elementos representados na região: Pampa, Chaco paraguaio, Floresta com Araucária, Floresta Estacional e Floresta Atlântica.

Estão presentes no Parque espécies com ampla distribuição na América Neotropical, como a onça-pintada (Panthera onca), anta (Tapirus terrestris) e tapiti (Sylvilagus brasiliensis), que podem ser encontrados na Amazônia, no nordeste brasileiro e nas florestas da Serra do Mar.

Dentre as espécies de ungulados, a anta (Tapirus terrestris) tem no Parque do Turvo seu último refúgio em território gaúcho. Em função da caça acentuada, a espécie foi praticamente extinta no Estado. As observações realizadas apontam para um crescimento no contingente da unidade, gerando, inclusive, casos de invasões de áreas vizinhas por alguns indivíduos, possivelmente em decorrência da competição intraespecífica por espaço. A anta integra a Lista das Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção no Rio Grande do Sul (Decreto nº 41.672, de 11 de junho de 2002).

Anta se banhando na Lagoa das Marrecas em plena luz do dia. Foto: Adelita Rauber.

Localização

O Parque Estadual do Turvo situa-se no noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, entre as coordenadas 27°07 a 27°16 latitude Sul e 53°48 a 54°04 longitude Oeste, no município de Derrubadas, junto ao rio Uruguai, fazendo divisa com o Estado de Santa Catarina e a província argentina de Misiones.

Criado a partir do Decreto Estadual no 2.312, de 11 de março de 1947, como Reserva Florestal Estadual, com uma área de 17.637,5 ha, mais tarde o Governador do Estado do Rio Grande do Sul, conforme Lei n° 2.440, de 2 de outubro de 1954, transformou a Reserva Florestal Estadual em Parque Estadual do Turvo.

O Parque apresenta, na atualidade, 17.491,4 ha. O perímetro do Parque é de cerca de 90 km, fazendo limite ao norte com a província argentina de Misiones e com o estado brasileiro de Santa Catarina, através do rio Uruguai; a oeste faz divisa com o rio Turvo; a leste limita-se com o rio Parizinho, e a sul com propriedades particulares e com os rios Calixto e Bonifácio.

Como chegar?

A cidade de Derrubadas dista, aproximadamente, 490 km de Porto Alegre, capital do Estado. Os principais acessos ao Parque a partir de Porto Alegre são:

- pela BR-386, até o município de Sarandi, seguindo pela RS-569 até Palmeira das Missões, pela RS-468 até Coronel Bicaco e, por fim, pela RS-330 até o município de Derrubadas;
- pela BR-386, até o município de Frederico Westphalen, seguindo pela RS-472 até Tenente Portela e, por fim, pela RS-330 até o município de Derrubadas.

A partir de Misiones, na Argentina, o ponto mais próximo para travessia do rio Uruguai é em El Soberbio, seguindo por Tiradentes do Sul, Três Passos e Tenente Portela, pela RS-472 e, por fim, pela RS-330 até o município de Derrubadas.

De Santa Catarina chega-se por Itapiranga, onde existe uma balsa para travessia do rio Uruguai e depois por Barra da Guarita pela RS-163, logo após pela RS-472 por Vista Gaúcha e Tenente Portela e, finalmente, pela RS-330 até o município de Derrubadas.

Fonte dos textos: Plano de Manejo do Parque Estadual do Turvo (Silva et al. 2005).

OUTRAS INFORMAÇÕES

Funcionamento

As visitas ocorrem de quarta a domingo, sendo que segunda e terça-feira o parque é fechado, exceto em casos de feriado. O horário de visitação é das 8:00 às 17:00. A única área aberta ao público é a estrada que leva ao Salto do Yucumã, que possui 15 km de estrada de chão até a área de lazer do Salto.

Onde Ficar Hospedado

No município de Derrubadas existem dois locais para se hospedar, o Balneário Martens e o Parque das Fontes. Já no município de Tenente Portela existem Hotéis e outros Balneários.

Alimentação

Existem diversos restaurantes e lancherias em Derrubadas, mas dentro do parque não há nenhum.

Contato

Email: parque-turvo@sema.rs.gov.br

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