Projeto Ave Missões: Pesquisa, Educação Ambiental e Conservação com Aves da Região Noroeste do Rio Grande do Sul

Olhai as aves do céu... olhai os lírios do campo!

Imagem de São Francisco de Assis com uma
saíra-de-sete-cores (Tangara seledon).
Foto: Paulo B. Rodrigues.
Trilha sonora do filme Irmão Sol, Irmã Lua de Franco Zeffirelli.

O "Pássaro" de Deus

Muitos são os benefícios recebidos do contato com a carismática figura de São Francisco de Assis, homem que abandonou riquezas e prestígios em busca da verdade, felicidade e santidade. Apreciador da natureza, o "Pobre de Deus" era também muito caridoso para com o povo, para o qual frequentemente intercedia em nome do bem, da paz e do amor. Acima de tudo, Francisco foi fiel a Cristo, quem o chamou primeiro, e, a partir daí, sua vida, entregue à vontade de Deus, tornou-se fecunda de bem-aventuranças e milagres. 

Tinha particular apreço pelas virtudes mais simples do coração, entre elas a humildade, a pobreza e a alegria. Também era um homem de contemplação, à qual geralmente se entregava em cavernas ou no alto de montanhas com paisagens indescritíveis. Pessoa de oração, sempre à espera da providência divina, guardava uma relação intima e amigável com o Criador e com suas criaturas, às quais chamava, carinhosamente, de irmãos. 

Abaixo, histórias e relatos de encontros de São Francisco com algumas das criaturas mais adoradas pelo Santo: as aves! São contos para inspirar a alma e libertar o coração... Boa leitura!

Sermão aos passarinhos¹

Naquele tempo, o Irmão chamou Frei Masseu e lhe disse: Irmão Masseu, faz dias que estou num poço e não posso sair. Que devo fazer? Fechar as asas, abaixar-me aos pés de Deus e viver sempre assim, ou abri-las e voar pelo mundo anunciando a palavra? Às vezes tenho medo de que, se andar pelo mundo, me grude a poeira da estrada. Mas quando penso em nosso bendito Cristo, que renunciou à doçura do Paraíso para salvar nossas almas, fico com vontade de pular para o mundo e não parar mais. Que faço?

Irmão Francisco, respondeu Frei Masseu. Sempre ouvi dizer que Deus manifesta sua vontade para as almas que rezam bastante. Por que não pedir o conselho de algumas destas almas?
            
Frei Masseu, amanhã de manhã irás a São Damião falar com a irmã Clara. Ela mora no quarto mais secreto do Senhor: todos os mistérios divinos são familiares para ela. Dirás que Francisco quer saber se deve dedicar-se só à contemplação ou também à evangelização. Mas diz-lhe que, antes de dar a resposta, escolha a irmãzinha mais simples, inocente e ignorante do mosteiro e a consulte sobre esse grave problema.
            
Depois, querido Masseu, subirás pela garganta profunda do Subásio até os cárceres, onde nosso irmão Rufino vive escondido em Deus, e lhe farás a mesma pergunta. No dia seguinte, antes de clarear, Frei Masseu foi cumprir o desejo do Irmão em todos os seus pormenores.
            
Francisco também passou grande parte da manhã suplicando ao Senhor que lhe manifestasse inequivocamente sua vontade. As horas iam passando e Masseu não voltava. De fato, tinha que fazer um caminho bem longo. Francisco estava impaciente para saber a resposta dos grandes adoradores.
            
Frei Masseu voltou ao meio-dia. Francisco se alegrou muito quando o viu. Mas não perguntou o resultado de sua missão. Primeiro deu-lhe um grande abraço. Depois o levou para uma das chocinhas onde tinha preparado água morna. Lavou-lhe os pés com reverência e carinho. Enxugou-os, beijou-os devagarinho. Depois o levou para a choça grande e, sentados à mesa, deu-lhe azeitonas, figos secos, pão e água fresca.
            
Então o segurou outra vez pela mão e o levou para o bosque. Internaram-se no mato mais fechado. Francisco ajoelhou-se diante dele como em uma cena cavalheiresca. Tirou o capuz com reverência. Estendeu os braços em cruz e perguntou em voz alta: O que manda o meu Senhor Jesus Cristo?
            
Tanto a irmã Clara como frei Rufino, respondeu Masseu, disseram-lhe que lhes foi revelado que deves ir pelo mundo pregando o amor de Deus.
            
O Pobre de Assis foi tomado por uma exultação profunda quando ouviu essa resposta. Levantou-se, levantou os braços e disse: Em nome de Deus, em marcha! E, sem voltar para a ermida, atravessou o campo na companhia de Ângelo e Masseu, na direção de Espoleto. Arrastados pelo impulso do Espírito, ébrios de felicidade, chegaram depressa a um pequeno povoado chamado Cannara.
            
Encontrou um grupinho de pessoas e começou a falar sobre o Amor Eterno, sobre a Paz e a Pobreza. Mas um bando compacto e inumerável de andorinhas e outros passarinhos, chilreando e fazendo acrobacias, não permitiam que escutassem Francisco com tranquilidade. Dando uma modulação inefável à sua voz, Francisco suplicou às andorinhas que, pelo amor do Amor, ficassem quietas e em silêncio por algum tempo.
São Francisco de Assis. Desenho de Luana Almeida.
            
Elas obedeceram. O povo ficou arrebatado e queria abandonar tudo para seguir o Irmão de Assis. Ele lhes disse: Acalmem-se e não se precipitem. Vai chegar a sua hora, e não me esquecerei de vocês.
            
Aquela gente ficou muito consolada com essas palavras e com o milagre das andorinhas. Os irmãos foram para outra aldeia chamada Bevagna. Francisco estava revestido de fervor e de alegria. Sentia-se o homem mais feliz da Terra.
            
Ao longe, à direita do caminho, viam-se diversas árvores de copa muito alta e grande diâmetro. Francisco contemplava-as com muita atenção. Quando chegaram perto, começaram a ouvir um vozerio heterogêneo e polifônico. O Irmão abriu desmesuradamente os olhos e quase não podia acreditar no que estava vendo: uma multidão quase infinita de pássaros de todas as plumagens e tamanhos enchia a espessura das árvores.
            
Irmãos, fiquem aqui, disse Francisco aos companheiros. Foi o Senhor quem me preparou este auditório original. Também as aves vão entrar no paraíso. Quem sabe seu coração também não é terreno preparado para produzir cem por um?
            
E devagar, quase sem tocar o chão para não espantar as aves, Francisco entrou pelo campo e, a alguma distância, começou a pregar aos passarinhos que estavam ciscando pelo chão. Não se pode acreditar no que aconteceu. Os pássaros, que estavam inquietos, bicando sementes invisíveis, aquietaram-se quando ouviram a voz de Francisco e, colocando-se em semicírculo, ficaram olhando e escutando Francisco.
            
Ele continuou a falar. E, ó prodígio! Da ramaria profusa desceram ao solo milhares de outras aves. Puseram-se em ordem diante de Francisco: na frente, as pequeninas; no meio, as de tamanho médio e atrás, as maiores. Durante todo o sermão, nenhuma piou, nem esgravatou o chão. Ficaram quietas até que Francisco parou de falar. Mas não foram embora. Esperaram pacientemente que lhes desse a bênção. Pregando, o Irmão passeava entre elas. Mesmo quando as roçava com seu hábito, não se assustavam, nem se mexiam.
            
Não acreditaríamos nisso tudo se não tivesse sido contado pelo próprio frei Masseu ao irmão Tiago de Massa.
            
Foram estas as palavras que o Irmão dirigiu às aves:
            
Queridas aves, minhas irmãs: vocês fazem o que é mais bonito na criação: voar. Nós que somos filhos de Deus não devemos ter inveja, mas eu lhes confesso esse pecado: eu invejo vocês que podem voar. Gostaria de voar agora mesmo até a ponta dessa árvore, até aquele ponto inacessível. Para vocês não há nada inacessível. Como deve ser bonito o panorama lá das alturas!

Seus cantos de ouro, seus assobios sonoros, tudo isso ainda é pouco para aclamar o amor e a sabedoria de nosso Criador. Desde o nascer até o pôr-do-sol, vocês devem rasgar os ares anunciando que não existe outro Todo-Poderoso a não ser seu Criador. Mesmo que ninguém as escute, encham o mundo com os louvores do Senhor!
            
Em sua infinita criatividade, o Criador as vestiu com uma plumagem dupla e até tripla, para preservá-las do frio, para que os raios do sol não as queimem e para que vocês vejam que são bonitas. O Senhor lhes deu penas que não se molham para que a chuva corra por vocês e possam voar até no meio do aguaceiro mais torrencial. Suas penas têm as cores mais variadas. Têm tonalidades que não se veem em nosso arco-íris: verde-escuro, preto-azulado, vermelho-esbranquiçado, verde-amarelo... Vocês são muito vistosas, minhas irmãs aves. Tudo é graça de Deus.
            
Seu Pai teve grande cuidado de conservá-las na arca de Noé para que não desaparecesse a estirpe. E quando as águas baixaram, foi uma ave a primeira a sair da arca para ver se a terra estava habitável. Porque vocês são as únicas capazes de voar por cima das águas. Além disso, o Senhor deu-lhes esse céu azul e esse espaço aberto para vocês agitarem alegremente as asas e cantar. Nunca vi vocês tristes. Pelo contrário, vejo que estão sempre felizes. São as criaturas mais privilegiadas da criação. Tudo é graça de Deus.
            
E o Pai semeou a terra de fontes e de rios em consideração a vocês, para que pudessem saciar a sede e tomar banho nos dias de calor. E levantou as montanhas altas e os vales espaçosos para vocês morarem sem que os outros as molestem. Mas a maior invenção de Deus, o maior presente para vocês, são as árvores. Não quero falar de suas qualidades porque vocês as conhecem melhor do que eu. Só lembro que se as árvores são tão altas é para que vocês possam colocar nelas os seus ninhos na primavera, sem nenhum perigo. Dessa maneira, as crianças que tanto gostam de ninhos não os podem alcançar e destruir. Tudo é graça de Deus.
            
Finalmente, vocês encontram todos os dias a comida preparada. O homem tem que ir a campo para semear no inverno, capinar na primavera, e no verão para ceifar e colher; e para vestir-se tem que construir numerosas fábricas e oficinas de tecidos. Vocês não têm que se preocupar com nada disso. Pulam do ninho, e o Pai veste-as por toda a vida. E nunca se viu um passarinho morrer de fome. Tudo é graça de Deus.
            
Realmente, vocês são as criaturas prediletas do Altíssimo Pai. Seu único pecado é a ingratidão. Guardem-se desse pecado, minhas irmãs. E louvem, bendigam e agradeçam eternamente o amor do Senhor.
            
Enquanto Francisco lhes falava dessa maneira, todos aqueles pássaros começaram a abrir os bicos, espichar os pescoços e estender as asas, inclinando respeitosamente a cabeça até o chão, para manifestar com atitudes e cânticos o enorme contentamento que tinham pelas palavras de Francisco.
            
O Irmão de Assis regozijava-se e se recreava com elas, sem deixar de maravilhar-se por tão grande multidão de pássaros em tão bela variedade, e com a atenção e familiaridade que demonstravam. E louvava devotamente o Criador por causa disso.
            
Quando o sermão acabou, Francisco traçou sobre elas o sinal da cruz e lhes deu licença para irem embora. Então os pássaros saíram em revoada, cantando harmoniosamente. Depois se dividiram em quatro grupos, seguindo a cruz que Francisco tinha traçado. Um grupo voou para o Oriente. Outro, para o Ocidente. O terceiro foi para o meio-dia e o quarto, para o setentrião. E cada bando afastava-se cantando maravilhosamente.
            
Os irmãos menores devem ser como os passarinhos, confiando todos os cuidados na mão de Deus e sem ter nenhuma propriedade neste mundo.


Alverne à vista¹

...Chegaram, afinal, ao pé da montanha. Antes de começar a escalada, descansaram umas horas embaixo de uma frondosa azinheira. O que ali aconteceu não se pode explicar humanamente. Em poucos minutos, apareceram dezenas e dezenas de melros, cotovias, pintarroxos, rouxinóis, pardais, estorninhos, tentilhões e até perdizes. Confuso e agradecido o Irmão repetia: Obrigado, Senhor, obrigado!
       
Foi uma festa nunca vista. As aves piavam, chilreavam, cantavam, revoluteavam em torno de Francisco, em alegre algazarra. Algumas faziam piruetas ousadas e mergulhos acrobáticos, enquanto outras pousavam ora sobre a cabeça dele, ora sobre seus ombros, braços ou joelhos. Foi um festival de canto e dança.
       
Irmão Leão, que maravilha! Que prodígio! Como Deus é grande!, exclamou Francisco, completamente inebriado pelo espetáculo. E acrescentou: Só faltam as andorinhas para que brote a primavera, no cume do Alverne...

O irmão falcão¹

Naquela tarde, Francisco assistiu a uma tempestade espetacular. De dentro de sua choça, contemplava, emocionado, a furiosa descarga. Estava admirado de ver que aqueles gigantescos abetos deixavam-se molhar como crianças submissas, que as rochas não resistiam e que a orgulhosa montanha submetia-se humildemente ao castigo do vento e do granizo.
Francisco de Assis. Desenho de Luana Almeida.
       
Eu tenho que ser assim, dizia o Irmão, em alta voz. E se estendeu de bruços no chão, com os braços abertos. Sua alma mergulhou na substância da terra e, entregue nas mãos do Altíssimo, deixou-se levar docilmente pelas correntes divinas.
       
Foi nesse tempo que o Irmão travou uma misteriosa amizade com um falcão que morava no Gran Sasso. Certo dia, em pé, sobre a rocha, Francisco estava vivendo a proximidade e a ternura de todas as criaturas, quando um temível falcão voltava da caça, com poderosas batidas de asas. Francisco admirou o sentido de orientação, o impetuoso cruzar dos ares e a extraordinária facilidade com que a ave aterrissou, em uma pequeníssima saliência de rocha.
       
O irmão sentiu carinho e admiração por aquela criatura. Dir-se-ia que se estabeleceu uma sintonia entre Francisco e a ave de rapina, e que a ave detectou o carinho do Irmão. Francisco acendeu todos os fogos de sua sensibilidade e lhe dirigiu estas palavras: Meu pássaro, irmão falcão, filho de Deus, escute. Sou seu irmão, não tenha medo. Abra as asas e venha.
       
O que aconteceu não tem explicação humana. O falcão estendeu as asas e, quase sem batê-las, deixando-se cair, como quem dá um pulo, desceu e pousou a poucos metros do Irmão. Diante disso, a admiração e ternura do Irmão por aquela ave elevaram-se ao máximo. Dir-se-ia que o poderoso pássaro percebera o carinho do Irmão e ficara feliz por isso. Francisco não se moveu. Ficou olhando, com grande carinho e gratidão. O falcão também não se moveu; olhava para cá e para lá, com naturalidade.

Francisco pensou, então, em dar-lhe de comer. Lembrou-se, porém, que não tinha, em sua cabana a não ser pão e água que Frei Leão lhe trazia todos os dias, e que as aves de rapina só comem carne. Desistiu da ideia de dar-lhe de comer, dirigiu-lhe, ao invés, palavras de carinho: Onde está o seu ninho, pássaro de Deus? Como deve ser bonito ver o mundo dessas alturas! Meu pássaro, vocês não têm rotas traçadas no ar. Como não se perde e chega aonde quer? Onde está a sua bússola? Quem o ensinou a voar? O que você faz nos dias de tempestade? Você tem medo dos relâmpagos? Que é que você faz quando caem metros de neve em cima desta montanha? Deus plantou, na terra, estas rochas temíveis para lhe servir de morada. Não vá cair no pecado da ingratidão.

O falcão passava, todos os dias, pela choça do Irmão. Familiarizaram-se tanto, que o falcão ficava habitualmente na plataforma da rocha em que o Irmão estava instalado, só se ausentando nas horas em que ia caçar sua comida.

Francisco ficou penalizado ao lembrar que o falcão comia outros passarinhos. Procurou não pensar nisso. A amizade entre eles tornou-se tão profunda e humana que, à meia noite, o falcão vinha bater as asas na choça de Francisco, acordando-o para a oração de matinas. Quando o Irmão ficava doente, o falcão não o acordava, ou deixava para acordá-lo mais tarde.

Quando se despediu do Alverne, Francisco fez uma menção especial ao Irmão falcão.

As irmãs rolinhas¹

Casal de rolinhas-picuí (Columbina picui). Foto: D.Meller
Numa primavera, dedicou-se a fazer ninhos de rolinhas. Ficou muito tempo observando a estrutura desses ninhos. Construía-os o mais parecido possível com o original, e colocava-os nos arbustos e moitas. Irmão, Leão, dizia: sabe por que gosto muito das rolinhas? Porque elas têm os atributos mais apreciados pelo meu Senhor: a misericórdia e a humildade.

Dos passarinhos por ele alimentados, e como um dos quais sofreu a morte por avareza²

Uma vez, São Francisco estava sentado à mesa com os frades quando chegou um casal de passarinhos que, cuidadosos da formação de seus filhotes, todos os dias iam buscar devotamente migalhas da mesa do Santo. Este ficou todo contente com isso, encheu-os de afagos, como era seu costume e, por causa de sua aplicação, tratou de oferecer-lhes o sustento. Certo dia, pai e mãe apresentaram os filhotes aos frades, como que alimentados às suas expensas. E entregando-lhes os filhotes não apareceram mais.

Os filhotes acostumaram-se com os frades e andavam empoleirados em suas mãos, não como hóspedes, mas como criaturas de casa. Fugiam da presença dos seculares e só se apresentavam como alunos dos frades. O Santo, observando tudo isso, admirado, convidou os frades a alegrarem-se. "Vejam, disse, o que fizeram nossos irmãos pintarroxos! Até parece que têm razão! Disseram, pois: Eis, Irmãos, aqui vos apresentamos nossos filhotes, que alimentaste com as vossas migalhas. Fazei deles o que melhor vos parecer. Nós vamos para outro ninho". Assim os passarinhos familiarizaram-se inteiramente com os frades, a ponto de todos tomarem a refeição em comum. Mas, a concórdia foi quebrada pela avareza, quando o orgulho do maior perseguiu os menores. Pois, o maior, saturado à vontade, afastava os outros da comida. Disse o santo pai: "Vede o que está fazendo este avarento. Mesmo cheio e empanturrado, tem inveja de seus esfomeados irmãozinhos. Ele ainda haverá de ter uma morte macabra". A palavra do Santo foi logo seguida pela vingança. O perturbador dos Irmãos subiu ao vaso de água para beber, mas, de repente, afogando-se na água, morreu. E não houve gato ou qualquer outro animal que quisesse tocar no passarinho anatematizado pelo Santo. Horroroso mal é a avareza dos homens, quando até nos pássaros é punido desta maneira. É, pois, de se temer a sentença dos santos, uma vez que o castigo vaticinado vem com tanta facilidade.

Trovoada-de-bertoni na mão do Francesco.
Do passarinho que pousou em sua mão²

O Bem-aventurado Francisco ia atravessando, numa barca, o lago de Rieti, a caminho do eremitério de Gréccio. Um pescador ofereceu-lhe um passarinho aquático, para que se alegrasse no Senhor.

O Bem-aventurado pai recebeu-o com alegria, abriu as mãos e o convidou delicadamente a ir embora. O passarinho não quis ir, mas se aninhou em suas mãos. O Santo levantou os olhos e se pôs a orar. Depois de um bom tempo, como se estivesse voltando a si de um outro mundo, ordenou com doçura à ave que voltasse sem medo para a sua primitiva liberdade. Recebendo a licença com a sua benção, o passarinho demonstrou sua alegria com um movimento do corpo e voou.


Do faisão²

Um nobre do condado de Sena mandou levar um faisão a São Francisco que estava doente. Este recebeu-o alegremente, não pela vontade de comê-lo, mas porque, em tais casos, sempre costumava alegrar-se por causa do amor do Criador. Disse ao faisão: "Louvado seja nosso Criador, irmão faisão!" Depois voltou-se para os frades: "Vamos ver, Irmãos, se o irmão faisão prefere morar conosco ou ir para os lugares de costume, que são mais convenientes para ele".

Por ordem do santo, um frade foi levá-lo bem longe, colocando-o numa vinha. Ele voltou imediatamente com passo apressado para a cela do pai. Este mandou que o levassem mais longe ainda. A ave, com maior ligeireza, voltou para a porta da cela e, mesmo tendo de fazer força por debaixo dos hábitos dos frades, que estavam na porta, entrou. Então, o Santo mandou que cuidassem de alimentá-la, abraçando-a e afagando-a com palavras carinhosas.

Um médico muito devoto do Santo de Deus, quando viu isso, pediu o faisão aos frades, não para comê-lo, mas desejando criá-lo por reverência ao Santo. Que mais? Levou-o consigo para casa, mas o faisão, como que ofendido por ter sido afastado do Santo, não quis comer de jeito nenhum enquanto não gozasse de sua presença. Maravilhado, o médico levou o faisão de volta ao Santo, e contou tudo por ordem o que tinha acontecido. Logo que foi posto no chão, ele olhou para o pai, abandonou a tristeza e começou a comer com alegria.

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¹ Texto extraído do livro "O Irmão de Assis" de Inácio Larrañaga.
² Texto extraído do livro "Segunda Vida" de Tomás de Celano, da obra Fontes Franciscanas.